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sexta-feira, 16 de maio de 2008

Carta de uma professora ao "Expresso"

SER PROFESSORA

Este ano lectivo, a minha escola abriu dois cursos de educação e formação: Electricista de Instalações e Assistente Administrativo. Sou professora de Língua Portuguesa e, normalmente, é possível aos docentes que pertencem ao quadro escolher os níveis que querem leccionar. Mesmo não tendo sido opção minha leccionar em turmas destes cursos, fui presenteada com quinze seres, projectos de electricistas de instalações, com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos. ( ... )
Fotocopiei o programa curricular dos módulos correspondentes ao 1º dos dois anos do curso. Fiquei logo céptica quando vi que, para futuros electricistas, os programas previam a leitura orientada de obras literárias como 'Falar Verdade a Mentir', de Almeida Garrett e 'A Saga' de Sophia de Mello Breyner Andresen.
É certo que a cultura nunca ocupa lugar e também é certo que fica sempre bem a um electricista saber as características do teatro do séc. XIX ( ... ), assim como a interessante história do mentiroso Duarte do 'Falar Verdade a Mentir', não vá de repente ser preciso que o electricista, no exercício da sua profissão, precise mesmo de falar verdade, embora estando a mentir ...
Também pode, a qualquer momento, ser necessário que o futuro electricista precise de dividir orações ( ... ).
Por favor, cérebros iluminados e destacados para conceberem os programas curriculares deste tipo de cursos, não sejam líricos!!! ( ... ) Venham até Condeixa-a-Nova ( ... ) e assistam à minha aula de Língua Portuguesa. Vão gostar de ver os 15 fabulosos projectos de electricistas a pedirem que não lhes ensine tais matérias pois não lhes servirão para exercer melhor a profissão e porque lhes tinham dito que, nestes cursos, "as coisas" iam ser diferentes, sem matéria "chata", só com assuntos ( ... ) relacionados com a vida mais prática (,,)
E assim vamos andando, rindo até com certas tiradas dos formandos, com as suas análises de texto boçais e bestiais, vazias de encanto poético mas cheias de conteúdo telúrico, para ser eufemística... Se não, vejam a veia poética de um formando, que, após a leitura da frase "... e Hans foi pai de cinco filhos", do conto 'A Saga' de Sophia de Mello Breyner, o único comentário de análise textual que conseguiu fazer foi:
"- E cum caraças, o homem fartou-se de martelar!!!" ....
ANABELA ROSA LOURO
GOMES ESTÊVÃO, Coimbra

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